O melanoma é a forma mais letal de todos os tipos de câncer de pele. Ele surge a partir de mutações nos melanócitos, células que produzem a melanina, multiplicando-se de forma anormal e podendo adquirir a capacidade de invadir outros tecidos de maneira agressiva. Neste cenário, um grupo de moléculas regulatórias tem demonstrado papel importante no desenvolvimento e progressão do melanoma, são os RNAs longos não-codificadores (lncRNAs), alvo de estudo do biólogo Ádamo Siena, doutor em Genética pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) e integrante da equipe coordenada pelo Prof. Dr. Wilson Araújo da Silva Jr., pesquisador principal do Centro de Terapia Celular (CTC-USP).
Os lncRNAs são moléculas de RNA com mais de 200 nucleotídeos, incapazes de gerar proteínas e com habilidade de influenciar processos celulares por meio de diversos mecanismos. Desde 2013, Siena busca entender como é a relação entre a expressão desregulada de lncRNAs e a progressão tumoral entre amostras dos principais grupos do melanoma: melanócitos normais, melanoma primário e melanoma metastático. Para isso, foram utilizados experimentos, como o sequenciamento de nova geração (RNA-Seq) de linhagens celulares de melanoma e análises de bioinformática.
Os dados iniciais do trabalho resultaram em um artigo publicado em 2019, na revista Scientific Reports. “Naquela oportunidade, foi demonstrado pela primeira vez que o lncRNA ZEB1-AS1 estava desregulado no melanoma, possuía uma forte correlação com o processo de invasão e, em dados de pacientes, apresentava maior expressão em amostras metastáticas quando comparadas com melanoma primário”, explica Siena.
Cerca de metade de todos os casos de melanoma apresentam mutação no gene BRAF, responsável por produzir uma enzima quinase que está envolvida na via de sinalização MAPK/ERK. Essa mutação produz uma alteração que pode impactar diversos aspectos tumorais. Por esses motivos, esta alteração é alvo de vários estudos para controle do melanoma, sendo que a primeira droga para o tratamento de pacientes com este tipo de mutação foi aprovada em 2011 e ficou conhecida como vemurafenib. Os resultados iniciais deste tratamento foram animadores. Porém, foi observado que os pacientes tratados com vemurafenib passaram a adquirir resistência ao fármaco alguns meses depois, levando ao retorno e progressão da doença. Desde então, esforços foram realizados para buscar moléculas e vias regulatórias que possam estar envolvidas na resistência adquirida pelo melanoma.
O mais recente artigo do pesquisador sobre o tema “Upregulation of the novel lncRNA U731166 is associated with migration, invasion and vemurafenib resistance in melanoma“, foi publicado em janeiro pelo Journal of Cellular and Molecular Medicine.
O estudo revelou um novo lncRNA associado ao melanoma e à resistência ao vemurafenib: o lncRNA U73166, nunca descrito com alguma relevância biológica em câncer ou qualquer outra patologia. Este lncRNA está mais expresso em amostras de melanoma (tanto primário quanto metastático) quando comparado com melanócitos, e possui níveis de expressão baixíssimos em tecidos normais, com exceção do tecido de testículo normal.
“O fato de possuir alta expressão em melanoma e baixa em melanócitos e tecidos normais pode dar indícios de que o lncRNA U73166 seria um ótimo candidato como biomarcador ou como alvo terapêutico para combate da doença”, destaca o biólogo. Além disso, um dos experimentos realizados foi o silenciamento da expressão do lncRNA U73166 em linhagens celulares de melanoma. Assim, foi demonstrado que amostras com menor expressão possuíam menor capacidade de migração e invasão, processos fundamentais no desenvolvimento e evolução de tumores, inclusive do melanoma. “Ou seja, há uma associação entre o aumento da expressão do lncRNA U73166 com o aumento destes dois processos fundamentais para a progressão tumoral”.
Os cientistas também utilizaram amostras de melanoma não resistentes ao vemurafenib e que foram tratadas com concentrações crescentes deste fármaco para se tornarem resistentes. Análises de dados posteriores permitiram a observação de que a expressão do lncRNA U73166 aumentou aproximadamente 10x em um indivíduo, após adquirir resistência ao fármaco.
Deste modo, o estudo abre espaço para um novo candidato na busca por uma melhor terapia para o tratamento do melanoma. No futuro, o lncRNA U73166 poderá ser explorado como um biomarcador para o melanoma e investigado para o monitoramento da resistência adquirida ao vemurafenib.
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