Estudos pré-clínicos e clínicos para o tratamento do câncer

3. Estudos pré-clínicos e clínicos para o tratamento do câncer

Os estudos visando à imunoterapia do câncer descritos nesta proposta abrangem o estabelecimento de metodologias e o estudo de questões importantes, de ordem conceitual e prática. Juntos, formam a base para o desenvolvimento do “know-how” técnico-científico necessário para o estabelecimento da imunoterapia celular, como realidade futura na medicina brasileira. No entanto, a efetiva aplicação prática do potencial das células imunocompetentes que serão desenvolvidas pelo grupo, dependerá necessariamente da realização de ensaios pré-clínicos em animais com características mais próximas ao organismo humano. As propostas anteriores serão testadas terapeuticamente em modelos animais e em doenças humanas selecionadas. Os modelos animais são essenciais em estudos sobre o câncer. Tais investigações nestes modelos envolvem a convergência de diversas áreas do conhecimento, no sentido de esclarecer os mecanismos envolvidos na doença, avaliar os impactos das inovações terapêuticas utilizadas e planejadas para o seu tratamento. Desta forma, descrevemos a seguir as propostas de estudos pré-clínicos e clínicos que serão concentrados nas áreas de imunoterapia celular e hipertermia.

3.1 Imunoterapia

Para avaliar a segurança e eficácia terapêutica de NK humanas expandidas in vitro (Subprojeto 21 “Desenvolvimento de modelos murinos humanizados de leucemias e linfomas para avaliação de segurança e eficácia terapêutica de células NK humanas expandidas in vitro“, coordenado pelo Prof. Dr.  Dimas Tadeu Covas), usaremos modelos murinos humanizados de neoplasias hematológicas (tais como linfoma de células B e leucemia mieloide aguda). Esses modelos pré-clínicos serão desenvolvidos usando uma nova geração de camundongos imunodeficientes, denominados camundongos NSG (NOD scid gamma or NOD/SCID/IL2Rgnull or NOD.Cg-Prkdcscid Il2rgtm1Wjl/SzJ, Jackson Laboratories). Esses camundongos apresentam defeitos graves na imunidade inata e adaptativa, portanto permitem o enxerto eficiente de células e tecidos humanos, provendo uma plataforma para modelos xenogênicos inovadores para estudo da fisiopatologia das doenças e desenvolvimento de imunoterapias. Será feita uma transferência adotiva de células de linhagens tumorais para o estabelecimento da doença nos animais e estes serão posteriormente tratados com infusões de células NK humanas expandidas in vitro, respectivamente. Este estudo pré-clínico tem como objetivo geral avaliar a segurança e eficácia terapêutica da infusão de células NK humanas, expandidas in vitro em condições compatíveis com as normas GMP, em modelos murinos humanizados de neoplasias hematológicas (linfoma de células B e leucemia mieloide aguda). Após a avaliação da segurança e eficácia terapêutica da infusão de células NK humanas expandidas in vitro nesses modelos pré-clínicos, utilizaremos essas células em estudos clínicos de faseI/II.

A imunoterapia adotiva com células do sistema imune como linfócitos T e células NK vem sendo utilizada há vários anos em combinação com o transplante alogênico de medula óssea (TMO). A abordagem mais empregada até o momento é a infusão de linfócitos do doador já bem estabelecida para o tratamento de pacientes com recidivas pós-TMO. Vários tumores expressam antígenos que podem ser alvo de abordagem imunológica tanto por linfócitos T como por células NK. A função primordial das células NK é o reconhecimento e a eliminação de células que apresentam diminuição da expressão das moléculas clássicas de histocompatibilidade e, com isso, escapam da ação citotóxica de das células T CD8+. De acordo com a teoria do “missing self”, as células NK reconhecem as células que não expressam as mesmas moléculas clássicas de histocompatibilidade que ela expressa e as eliminam. Várias neoplasias hematológicas têm sua resposta ao TMO relacionado o genótipo KIR (Killer inhibitory receptor) do doador e do paciente. Recentemente foi descrito que pacientes com leucemia mieloide aguda (LMA) que receberam um enxerto de CTHs de doadores com genótipo KIR2DS1 apresentaram uma menor taxa de recidiva pós-TMO. A transferência adotiva de células NK já foi descrita em pequeno grupo de pacientes com resultados animadores. Nesse contexto, o Subprojeto 22 “Avaliação Funcional de Células NK autólogas e alogências contra células de pacientes com leucemias agudas” coordenado pela Profa. Belinda P. Simões, tem como objetivo avaliar a atividade antitumoral de células NK humanas autólogas e alogênicas em eliminar células leucêmicas de pacientes com leucemia mieloide aguda (LMA) ou leucemia linfoide aguda (LLA) in vitro, visando a aplicação de células NK humanas autólogas e alogênicas, que serão desenvolvidas no Subprojeto 12, em pacientes com LMA e LLA de alto risco (estudo de fase I/II de viabilidade e segurança).

O novo estudo do Consórcio Internacional em Leucemia Promielocítica Aguda, renomeado como Consórcio Internacional em Leucemias Agudas, comparará o uso do transplante autólogo versus a quimioterpia convencional como forma de consolidação do tratamento de pacientes com leucemia mielóide aguda de riscos baixo e intermediário. Este estudo é parte do projeto CEPID/CTC e não faz parte da presente proposta, porém o estudo não contempla tratamento dos pacientes de alto risco. O TMO apesar de ser considerado o tratamento de escolha nesta situação tem ainda um alto índice de recidiva. O uso de terapia adotiva preventiva com o intuito de reduzir as taxas de recidiva já foi utilizado com sucesso. Essa abordagem terapêutica tem como risco o desenvolvimento de doença do enxerto contra o hospedeiro. Portanto, pretendemos comparar a estratégia preemptiva de infusões de linfócitos T do doador em pacientes com LMA de alto risco pós TMO com um grupo de pacientes sem intervenção (Subprojeto  23 “Imunoterapia adotiva com linfócitos T do doador preemptiva pós TMO em LMA de alto risco“, coordenado pela Profa. Dra. Belinda P. Simões).

3.2 Hipertemia

O efeito protetivo da febre contra o crescimento tumoral descrito por Ehrlich foi pouco reconhecido até recentemente quando a hipertermia começou a ser investigada no controle do câncer. A hipertermia tem grande influência sobre o efeito da quimioterapia e da imunoterapia (31). Ao depletar glutationa, ela excerba os efeitos citotóxicos de agentes quimioterápicos. O efeito benéfico da hipertermia foi demonstrado em estudos randomizados comparando-se quimioterapia neoadjuvante com e sem hipertermia associada (32). Hipertermia regional também pode amplificar o efeito da quimioterapia quando dado como preparo lipossomal (33). Este princípio foi verificado ser efetivo em sarcomas em ratos (34). Este efeito benéfico da hipertermia pode ser ainda melhorado com a adição de imunoterapia. Sristava e colaboradores avaliaram o papel das proteínas Heat shock (HSP) que costumam aumentar sua expressão pós hipertermia. As HSPs funcionam como chaperonas para antígenos tumorais e desta maneira os apresentam para as células NK. Em um caso notamos resposta clínica dramática em criança tratada com hipertermia e infusão de linfócitos haploidênticos da mãe portadora de sarcoma refratário. A incidência de sarcomas de partes moles são tumores frequentes da infância. Tendo em vista o caráter experimental da proposta e a presença de tumor muito semelhante ao humano em cães, pretendemos estudar tal terapia em modelo canino. Inicialmente, faremos uma quimioterapia neoadjuvante com ou sem hipertermia seguida por imunoterapia com linfócitos previamente coletados (Subprojeto 24 “Tratamento de sarcoma canino com quimioterapia e hipertemia seguida por imunoterapia com linfócitos”), coordenado pela Profa. Dra. Belinda Pinto Simões) . Após tal procedimento, os cães serão submetidos ao tratamento cirúrgico convencional. Algumas questões em aberto devem ser respondidas com esta abordagem como o número e a composição das células infundidas, se devemos ativar os linfócitos NK com IL-2 previamente, se células autólogas serão capazes de exercer efeito ou se necessitamos de células alogênicas.

Para desenvolvermos nossos ensaios pré-clínicos contamos com a colaboração da Profa. Dra. Maria Angelica Miglino, que possui diversos modelos animais de estudo de câncer. Entre as neoplasias com maior prevalência, tanto em humanos quanto em animais, destacam-se as neoplasias mamárias de carnívoros, os sarcomas dos felinos e dos canídeos, os osteossarcomas dos cães e os linfomas dos cães. Os mastocitomas são neoplasias cutâneas comuns em cães, podendo ser focais ou multifocais na pele, e/ou envolver o baço, fígado e intestino. Outros tumores, tal como o sertolioma pode ser produzido em animais, para servir como base de investigação em humanos, uma vez que o número de casos tem crescido demasiadamente nos últimos anos em humanos.

A proposta em modelos animais (Subprojeto 25 “Estudo clínico do impacto de combinações terapêuticas no microambiente e nas células tumorais de cães acometidos por câncer”, coordenado pela Profa. Maria Angélica Miglino) envolve estudos sobre o impacto de combinações terapêuticas no microambiente e nas células tumorais de cães acometidos por linfomas, sarcomas e neoplasias mamárias, pesquisa sobre o efeito anti-proliferativo e pro-apoptótico no osteossarcoma canino, e a utilização de nanopartículas no tratamento do sarcoma felino e do mastocitoma canino. Por outro lado, visa induzir quimicamente o sertolioma em pacas (Cuniculus paca) roedor histricomorfo exclusivo da América Latina, como um novo modelo experimental para o estudo deste tumor em humanos. À parte, considera-se a avaliação dos mecanismos envolvidos na interação entre células-tronco e o osteossarcoma em cães como forma de tratamento desta doença.

Na grande maioria das vezes, o modelo murino é o mais amplamente utilizado nos ensaios pré-clínicos, devido ao seu relativo baixo custo e facilidade de manutenção e manipulação. Esse modelo, contudo, apresenta várias limitações. Do ponto de vista experimental, a realização de algumas técnicas é limitada pelo tamanho do animal, dificultando a coleta seriada de amostras em volume adequado. Do ponto de vista genético, o modelo murino difere do humano em vários aspectos, o que leva à necessidade da validação de determinados resultados em um organismo filogeneticamente mais próximo do homem para a realização de pesquisas pré-clínicas. Este projeto também conta com a colaboração da Profa. Klena Sarges Marruaz da Silva do Centro Nacional de Primatas de Belém (PA), a qual estabelecerá protocolos pré-clínicos de ensaios de toxicidade/farmacocinética de nanomateriais em primatas neotropicais. A vantagem de fazer testes em primatas é a semelhança com o sistema imunológico humano.

O amplo espectro das atividades científicas propostas cria necessidade de armazenamento de materiais biológicos que vão desde os ácidos nucleicos até biópsias dos tumores que serão obtidas no momento das análises. Assim, esta proposta contempla a criação de um biobanco com armazenamento catalogado e sistemático, que será imprescindível para o andamento das atividades de pesquisa, bem como servirá de suporte para outros projetos e grupos de pesquisa parceiros. Esta projeto está descrito no Subprojeto 26 – Criação de banco para armazenamento de amostras biológicas para fins de pesquisa em ciências da saúde, sob coordenaçãoo do Prof. Dr. Dimas Tadeu Covas.

Em resumo, temos a intenção de desenvolver neste novo INCT extenso programa de pesquisa, aliando o conhecimento básico sobre o câncer com a translação para a prática clínica. O entendimento dos processos celulares e moleculares associados com a transformação maligna, a utilização de ferramentas modernas de investigação, a  identificação de marcadores tumorais e vias essenciais à tumorigênese, permitirão o desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas contra o câncer.